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Paraiba

Rio da Paraíba: as águas que dão nome ao estado e que tornam possível o seu desenvolvimento


Com 380km de extensão, o rio Paraíba atende hoje em dia mais de 60% do território paraibano. Mesmo quem mora muito longe de suas margens depende dele. Rio Paraíba ajuda a contar a história do estado homônimo

Phelipe Caldas

Everaldo José Firmino da Silva tem 56 anos de idade e, segundo palavras dele mesmo, “nasceu no rio”. Natural de Cabedelo, na Grande João Pessoa, morador da praia de Jacaré desde criança, tornou-se pescador ainda muito jovem e nunca exerceu outra atividade profissional. Vive em função do rio Paraíba, portanto. E de tudo o que o rio pode lhe oferecer. Numa rápida conversa, logo se percebe que é um homem experiente. Enquanto movimenta mãos habilidosas que costuram uma rede de arrasto, fala de marés, de horários propícios para a pesca, de tipos de armadilha, de estratégias específicas para pescar diferentes espécies de peixes. É uma relação umbilical entre o paraibano e o rio que dá nome ao estado. Mas, ao contrário do que muitos possam supor, essa relação é muito mais comum do que se imagina. E remonta à própria conquista da Paraíba, que, ao menos oficialmente, completa 437 anos nesta sexta-feira (5).

A saber, o rio Paraíba nasce no município de Monteiro, na Serra da Jabitacá, bem pertinho da divisa com Pernambuco, mas ainda em território paraibano. Banha municípios como Camalaú, Congo, Boqueirão, Itabaiana, Salgado de São Felix, Cruz do Espírito Santo, Bayeux, Santa Rita e João Pessoa até desaguar no Oceano Atlântico entre os municípios de Cabedelo e de Lucena. São 380km de extensão e diferentes usos ao longo de seu curso, com características bem específicas a depender da região.

Everaldo José Firmino da Silva 'nasceu' no rio Paraíba

Phelipe Caldas

No século 16, foi palco de batalhas entre as forças ibéricas de Espanha e de Portugal contra os povos indígenas Potiguara. No século seguinte, cenário de batalhas sangrentas promovidas pelos Países Baixos contra espanhóis e portugueses. A pesquisadora Sylvia Brito, em sua tese de doutorado em História na Universidade de Salamanca, explica em detalhes o papel fundamental que o rio exerceu no processo de conquista da Paraíba. Como ter domínio sobre o rio era fundamental para o controle do território. E como as batalhas que antecipam a conquista aconteceram todas no rio, no sentido inverso de seu fluxo.

Mais de quatro séculos depois, essa interdependência ainda está presente no cotidiano da população local: “A gente vive da pesca. Se não for o rio, fica ruim”, resume Everaldo.

Casado, pai de duas filhas, tendo um neto, o pescador explica que ao longo das décadas todo o sustento da casa saiu do rio. E que, para isso, conhecê-lo é essencial. “Quem faz o nosso horário é a maré”, comenta. Não dá para pescar todo dia. Nem é possível que seja sempre no mesmo horário. Então observá-lo, perceber suas nuances, entendê-lo, faz parte do ofício.

“O Rio Paraíba é a nossa fonte de renda”, enfatiza Everaldo, voz firme e serena, enquanto segue o processo de costura da rede.

Outro pescador é Carlos Antônio Firmino, 63 anos, que há 40 é pescador e há 25 carrega consigo orgulhoso a carteira de pescador profissional. Ele diz que a pesca lhe permitiu viajar pelo mundo, em barcos de pesca por diferentes oceanos, mas que no fim de tudo se fixou em sua terra natal, às margens do Paraíba.

Carlos Antônio Firmino: orgulho de ser pescador profissional

Phelipe Caldas

Ele comenta que respeita o rio, mas aproveita para fazer um alerta importante sobre o futuro do rio e dos pescadores da região:

“Há 40 anos, isso aqui era uma riqueza. Mas hoje a quantidade de peixes é bem menor. E a culpa é da poluição, dos esgotos que são jogados diariamente no rio”, lamenta.

Pescadores dizem que muito esgoto é jogado no rio

Phelipe Caldas

Ainda assim, ele diz que é possível, ainda hoje viver do rio. Principalmente por causa do valor do peixe no mercado.

“Tem que ter técnica e sorte também. E muita disposição. Tendo disposição, ainda é possível viver só do rio. O peixe está pouco, mas está caro. E não falta comprador”, ensina.

De acordo com Carlos Antônio, um dia de pesca bom representa algo em torno de 15kg de peixe. No dia anterior, ele havia pescado 18. Estava satisfeito com o apurado. Ainda assim, tem o cuidado de não romantizar demais a vida que leva.

“No rio, tem mais sofrimento do que histórias para contar”, filosofa Carlos em tom melancólico.

Canoas de madeira são usadas na pesca do rio Paraíba

Phelipe Caldas

Ele destaca, por exemplo, os “zeros” sofridos, jargão que na linguagem dos pescadores significa voltar de uma pescaria sem ter pegado nada. “Acontece também. Faz parte da vida do pescador”.

Com relação aos outros desafios do pescador do Paraíba, ele explica que o principal está ligado à própria característica da parte do rio onde eles pescam, nas proximidades do Jacaré. Carlos Antônio diz que a área é de muitos paus soltos no fundo do rio e que não raro isso pode significar problemas aos pescadores que se aventuram nas pequenas canoas de madeira impulsionadas por motores de popa.

Pescadores que vivem do rio Paraíba é apenas uma pequena parte das pessoas atendidas por ele

Phelipe Caldas

“Certa vez, um pedaço de pau enrolou na minha rede. Ela já estava com muito peixe e eu não queria perdê-la. Foi um trabalhão para desenrolá-la e com os esforços eu rasguei praticamente toda a rede. Mas consegui colocá-la de volta no barco. Foi uma decisão acertada, porque apurei nesse dia uns 40kg de peixe. Perdi uma rede, mas consegui dinheiro para comprar outra e ainda fiquei no lucro. Esse tipo de situação imprevisível acontece sempre”, pontua.

Muito mais do que um rio para pesca

Não é difícil interligar o rio com o povo que habita – ou não – as suas margens. O rio é anterior aos povoamentos e é justo ele quem torna o local interessante para as populações de diferentes épocas. De forma que é possível dizer que a urbanização e o crescimento população na região cresce primeiro em função do rio para só depois ir se afastando das margens.

O professor Pedro Vianna, do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), explica que o rio desempenha um papel fundamental nas vivências, na economia, na própria formação do estado e de sua gente. Uma realidade, aliás, que segundo ele se repete em outras partes do mundo. “No mundo inteiro, as principais cidades estão nas beiras de rios”, explica.

Navegável perto do litoral, rio Paraíba tem áreas secas entre Monteiro e Itabaiana

Artur Lira

Vianna destaca que são vários os motivos que fazem isso acontecer, sendo o abastecimento de água a principal das razões. Ele enumera ainda questões como navegabilidade, fonte de energia e de irrigação, características planas do terreno, o que facilita a urbanização. “No Brasil e na Paraíba não é diferente e o Rio Paraíba é um caso típico desta situação”, destaca o professor.

É um único e longo rio, mas Pedro Vianna destaca características completamente diferentes a depender do local em que se está. Do ponto de vista de vazão, profundidade e largura, mas também do pontoo de vista econômico.

“De Monteiro a Itabaiana temos um rio seco, que em muitos lugares é possível cruzar até mesmo a pé. A partir de Cruz do Espírito Santo, o rio passa a ser até navegável”, comenta Pedro.

Com relação à questão econômica, são três as diferenças principais. E isso demonstra que muita gente na Paraíba é dependente do rio mesmo sem saber disso. “O rio é usado para a irrigação mais para o lado de Monteiro, para o abastecimento de água no município de Campina Grande através da represa de Boqueirão, para a pesca e para o turismo mais perto do litoral”, prossegue Pedro.

Ademais, o próprio Porto de Cabedelo, único do estado, só é possível de existir por causa do estuário do rio Paraíba. De acordo com Pedro, são muitos os empregos, muitas as pessoas atendidas, muitos negócios gerados em torno do rio.

Porto de Cabedelo: sua existência só é possível por causa do estuário do Paraíba

Maurício Melo/ G1-PB

Rio Paraíba e transposição do São Francisco

Apenas para reforçar o papel central que o rio exerce no estado, é a partir do rio Paraíba que as águas do São Francisco puderam chegar a Paraíba, a partir das obras de transposição.

De acordo com o professor Pedro Vianna, a grande função do Eixo Leste foi justamente diminuir a insegurança hídrica que existia em território paraibano. Isso, segundo, ele atende de forma direta ou indireta mais de 60% do território paraibano.

“A principal das cidades atendidas é Capina Grande, que embora não tocada pelo rio Paraíba, depende dele para seu abastecimento de água”, declara, destacando que ao todo são 18 cidades além de Campina que são abastecidas pelo rio.

Segunda maior cidade da Paraíba, Campina Grande é toda ela abastecida pelo rio, que nem mesmo passa pela cidade

Divulgação/Andrade Marinho LMF

Além disso, ele enfatiza que “diversas redes de adutoras se espalham pelo Sertão paraibano” que a partir do rio Paraíba e do reforço de água que vem do São Francisco ameniza o problema da seca.

Mesmo assim, Pedro Vianna é enfático ao dizer que isso minimiza, mas não acaba com o problema. “A transposição não acabará com as secas e com as estiagens, que são um problema de natureza climática e hidrogeológica do interior nordestino e paraibano. Mas ela com certeza minimiza os efeitos da seca, notadamente sobre as cidades”, finaliza.

Águas da transposição chegam em Monteiro, na Paraíba: 60% do território paraibano é atendido pela obra com a ajuda do rio paraíba e de redes de adutoras

Edvaldo José/Arquivo

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