Apesar das desculpas, Estado não reconheceu violação do direito à verdade e sua relação com a violência aos trabalhadores rurais. Alegações e sentenças finais da Corte Interamericana devem ser publicadas em cerca de 30 dias. Manoel LuiZ da Silva, trabalhador rural paraibano assassinado em conflitos por terra; negligência do Estado brasileiro será julgada na Corte Interamericana de Direitos Humanos
Comissão Pastoral da Terra da Paraíba/Arquivo
O Brasil reconhece que violou direitos humanos na condução do processo referente ao homicídio do trabalhador rural e membro do Movimento dos Sem Terra (MST), Manoel Luiz da Silva. O Estado pediu desculpas oficialmente durante uma audiência que julga o caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), nesta quinta-feira (8), na Costa Rica.
As alegações finais da Corte e uma sentença definitiva devem ser publicadas em cerca de 30 dias, conforme informações do advogado e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em João Pessoa, Noaldo Meireles.
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Além de familiares de Manoel Luiz, a coordenadora do CPT em João Pessoa, Tânia Maria de Souza, também participou da sessão. Já a delegação brasileira incluiu representantes da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O caso foi peticionado pela ONG Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra da Paraíba (CPT-PB), pela Dignitatis e pela Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz.
"Que esse julgamento venha fazer Justiça porque o Estado não tomar providência incentiva cada vez mais os grandes proprietários a cometer delitos com crueldade. Se não tem o Estado pra intervir e cessar essas desavenças, os fazendeiros vão continuar com o massacre. A esperança é que esse julgamento possa trazer a diferença", disse ao g1 o filho de Manoel Luiz, Manoel Adelino.
O Brasil realizou o reconhecimento oficial da violação dos artigos 5, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conforme solicitado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Porém, não reconheceu a violação do direito à verdade e sua relação com a violência aos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
A Advocacia-Geral da União (AGU) lamentou a morte de Manoel, reconhecendo a urgência da democratização da terra e o desrespeito à integridade física, psicológica e moral dos familiares, devido à demora no progresso do processo judicial, que resultou em um sofrimento significativo ao longo dos 16 anos de tramitação do caso — considerando que o julgamento dos dois acusados pelo assassinato, ocorrido em 1997, só foi concluído em novembro de 2013.
Advogada da União, Taiz Marrão, reconheceu violação da integridade pessoal dos familiares de Manoel Luiz
Reprodução/ Corte IDH
Já a defesa da vítima aponta que se o Estado admite violação dos artigos 5, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não parece razoável deixar de acolher a violação do direito à verdade e apresentar na audiência uma peritagem que defende que a investigação e o processo se deram de maneira adequada.
Ainda durante a sessão, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reiterou a importância de medidas de compensação e assistência inclusive médica aos familiares, e medidas de não repetição, como realizar um diagnóstico da violência no campo do país como consequência de conflitos pela terra e a criação de um banco de dados com esses casos como forma de monitoramento.
A comissão também considera importante que se adote protocolos de investigação de mortes violentas contra trabalhadores rurais de acordo com os padrões interamericanos.
O reconhecimento da falha do Estado não contemplou quais dessas medidas serão implementadas.
Uma vida de ausências
Impactada pela tragédia, a família de Manoel Luiz enfrentou uma situação dramática nos anos seguintes. Seu filho narra uma vida de ausências, tendo que negligenciar os estudos na infância para começar a trabalhar aos 9 anos.
Ele relata ter visto sua mãe cair na depressão e no alcoolismo após a morte do marido, perdendo também o filho caçula em 2005, quando tinha apenas nove meses. O maior desafio foi seguir em frente. Sua família deixou o assentamento onde morava por segurança e nunca voltou devido ao trauma.
"O impacto na família foi grande, principalmente pra mim como filho e pra minha mãe. Ele era o chefe da família, a estrutura física da família. Nesses tempo pra cá, minha mãe foi adoecendo e se entregando ao vício e foi perdendo a vida aos pouco até chegar o momento de falecer. Depois do ocorrido, ela não conseguiu permanecer em frente, firme e forte. Eu cheguei até mesmo a pedir comida pelas rua com fome tinha muitas vezes. As condições financeiras ficaram bem baixas", conta Manoel Adelino.
Manoel Adelino afirma se sentir prejudicado até hoje pela falta de oportunidades e infortúnios provenientes da morte do pai.
"Ter a Comissão Pastoral da Terra e vários outros órgão de direitos humano batalhando e seguindo em frente para nós familiares é gratificante. Desde o ocorrido não tem sido fácil, a gente nunca esquece e minha família sempre espera por Justiça", pontua.
As Ligas Camponesas lutavam por direito à terra e por uma vida digna.
Arquivo/Memorial das Ligas Camponesas
Hoje o assentamento onde Manoel Luiz residia leva seu nome e até abril de 2022 abrigava 700 pessoas. Entretanto, muitos dos acampados que chegaram com ele ao local partiram logo após o crime, com medo de retaliações. Os assentados enfrentam desafios significativos, como a falta de acesso à água para a agricultura, estradas precárias e dificuldade de participação em programas de agricultura familiar.
O caso Manoel
O crime aconteceu em 1997 em São Miguel de Taipu, Paraíba, quando o trabalhador foi baleado. A investigação aponta que os autores foram os seguranças particulares do proprietário da Fazenda Engenho Itaipu.
Na ocasião, a fazenda estava em processo de expropriação para a reforma agrária. Manoel Luiz e outros três trabalhadores sem-terra foram confrontados por seguranças enquanto atravessavam a propriedade. Os seguranças os advertiram para não entrar na área, informando que tinham ordens do proprietário para matar qualquer sem-terra encontrado ali. Após uma discussão, um dos seguranças atirou em Manoel, resultando em sua morte no local.
O processo penal foi marcado por falhas como a demora para a realização da perícia, falta da busca pela arma do crime e a desconsideração do contexto de violência contra os trabalhadores rurais na região, violando direitos fundamentais dos familiares e das garantias judiciais, conforme informações da Justiça Global.
Caso Almir Muniz
Já o caso Almir Muniz também será julgado pela Corte IDH, nesta sexta-feira (9). O crime aconteceu em 2002, quando ele desapareceu em Itabaiana, no Agreste paraibano, e as investigações foram arquivadas sete anos depois, apesar de indícios de seu assassinato ter sido cometido pelo policial civil Sergio de Souza Azevedo.
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Ameaças contra sua integridade, apesar de constantes, chegaram a ser registradas na delegacia de Itabaiana, perpassando o âmbito municipal da comarca quando o próprio agricultor fez denúncias na Sessão Especial sobre a Violência no Campo na Assembleia Legislativa da Paraíba, em dezembro de 2001.
Em 2002, os familiares de Almir denunciaram seu desaparecimento à delegacia de Itabaiana, onde o policial Souza Azevedo estava lotado. No entanto, a denúncia não foi registrada e nenhuma ação imediata foi tomada para localizar a vítima ou investigar os acontecimentos. Há relatos que indicam a hostilidade do policial em relação aos trabalhadores rurais, especialmente Almir.
Desaparecimento de Almir Muniz foi tema do quadro 'Eu Quero Justiça', em 2009; reveja
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