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Servidoras do IFPB publicam carta aberta em que cobram ações contra o assédio sexual e moral

Por PB Já em 12/07/2022 às 23:11:20
Após denúncias de assédio sexual envolvendo um professor da instituição serem publicizadas, servidoras questionam o que a instituição tem feito para coibir esse tipo de prática. Carta aberta de mulheres do IFPB contra o assédio

Reprodução

Um grupo de mais de 40 servidoras e servidores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) publicou nesta terça-feira (12) uma carta aberta endereçada à comunidade acadêmica e à sociedade paraibana pedindo uma ação mais enérgica da instituição no combate ao assédio sexual e ao assédio moral, cujas vítimas principais são as mulheres. O grupo explica que falta uma ação mais enérgica do Instituto para lidar de frente com a questão e pede uma “profunda reflexão” que tenha como objetivo final uma “mudança de cultura” dentro do IFPB.

A carta foi publicada alguns dias depois de ser publicizada uma série de denúncias de assédio sexual contra estudantes menores de idade, que tem como alvo o professor Antônio Isaac Luna de Lacerda, ex-diretor-geral do campus de Itabaiana do IFPB que vem sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Ainda assim, o documento deixa claro que não pretende se ater a esse caso específico, mas questionar o que de efetivo o IFPB vem fazendo para coibir esse tipo de prática.

Uma das idealizadoras da carta é a professora de história Janaína Bezerra, que atua no campus de Patos do Instituto. Ela explica que a princípio pensava na adesão de algo em torno de dez mulheres, mas que a mobilização acabou sendo bem maior do que a esperada. Inclusive com a adesão de servidores homens.

“A gente não quer apenas debater o caso de Itabaiana em si, já que esse já vem sendo investigado. Mas a gente quer debater a falta de política institucional para discutir a questão”, declara.

No sábado (9), a Reitoria do IFPB publicou uma nota oficial em que classifica o assédio sexual como sendo um “repugnante e inadmissível atentado à dignidade da pessoa humana” e declarando que trata questões do tipo com rigor. Mas essa não é bem a opinião das servidoras e servidores que assinaram a carta.

“A nota diz que o IFPB sempre combate o assédio, mas essa afirmação não condiz com os fatos”, opina Janaína.

Ela reconhece que o IFPB tem oficialmente uma rede de combate ao assédio, mas que esses mecanismos criados pela Reitoria não funcionam adequadamente. “Eu digo que existe oficialmente, porque entre existir e funcionar é muito diferente”, declara.

Para explicar melhor o que diz, a professora pondera que em sete anos de trabalho no IFPB nunca recebeu nenhuma orientação sobre como proceder em casos de denúncias de assédio.

“Se a gente é procurada por uma aluna, a gente faz o quê? Eu sou professora do IFPB desde 2015 e nunca fui informada sobre isso. Se nem os servidores têm formação para lidar com isso, imagine as alunas?”, questiona Janaína.

Caso do IFPB de Itabaiana inspirou a carta, que no entanto pretende debater a questão numa perspectiva geral

Google Street View/Reprodução

A dificuldade em dar o correto encaminhamento aos casos de assédio se tornam ainda maior quando se considera a idade da maioria dos estudantes que passam pelo IFPB. “São adolescentes. A faixa de idade majoritária do ensino médio integrado é entre 14 e 17 anos. Eles não têm a quem recorrer”, lamenta.

Ademais, a professora destaca que o problema não é uma exclusividade do IFPB, mas de toda uma sociedade que é violenta contra as mulheres. Mas que, justamente por causa de toda a complexidade que cerca o problema, o Instituto precisa fazer a sua parte, algo que segundo ela não vem acontecendo.

“A gente tem uma sociedade que é extremamente violenta contra as mulheres e o IFPB está inserido nesta sociedade. Mas o que ele está fazendo para combater esse tipo de coisa?”, questiona uma vez mais. “É preciso lidar com a questão com o grau de profundidade e seriedade que o assunto exige”, completa.

Por fim, ela diz que são poucos os casos que se transformam de fato num Processo Administrativo Disciplinar (PAD). “Existe uma óbvia dificuldade de os casos serem oficializados”, finaliza.

Silenciamento de estudante

Na linha do que Janaina Bezerra fala sobre as dificuldades de oficializar denúncia de assédio no IFPB, um estudante envolvido no caso de Itabaiana já havia dito que sofreu um "processo de silenciamento" por parte da instituição. O estudante declarou que, embora tenha procurado o reitor e de forma verbal tenha relatado o que vinha acontecendo no campus, o processo não andou porque a denúncia não foi oficializada. Mas o jovem alega que em nenhum momento foi orientado pela Reitoria de que uma denúncia formal era necessária para um caso como aquele.

Confira a carta aberta na íntegra

Nos últimos dias, a imprensa paraibana publicou uma série de matérias a respeito de denúncias de assédio sexual a estudantes no âmbito do IFPB. Dada a gravidade da situação, nós, mulheres servidoras dessa instituição que assinamos esta carta, decidimos falar abertamente sobre o tema, pois acreditamos que não somente é possível, como é extremamente necessário envolver toda a comunidade nesse debate. Nós não podemos nos calar e fingir que nada está acontecendo!

Primeiramente, não nos interessa fazer desta carta um tribunal a respeito do caso Itabaiana, as denúncias em questão estão sendo investigadas e acreditamos que serão esclarecidas e resolvidas. Nosso ponto é outro: diante de todo o debate que existe hoje na sociedade brasileira sobre violência e assédio contra mulheres, o que o IFPB tem feito? Quais avanços nossa instituição construiu nos últimos tempos para proteger as mulheres e as meninas de nossa comunidade? Como tem garantido que elas possam seguir com seus trabalhos e estudos tranquilamente? À luz do que acompanhamos nos últimos dias na imprensa, a nossa resposta a essas perguntas é que o IFPB tem feito muito pouco, ou quase nada!

O tema do assédio sempre foi presente no cotidiano de nossa instituição, tanto o assédio moral, quanto o sexual. Em ambos os casos, os maiores alvos sempre são as mulheres. Professores que assediam alunas, chefes que ultrapassam os limites da autoridade e das cobranças de trabalho, colegas extremamente invasivos e desrespeitosos em suas investidas sexuais... esses são alguns exemplos de problemas que, arriscamos dizer, existem em todos os campi do IFPB. Porém, em nenhum dos nossos campi esses temas são debatidos e combatidos de maneira eficaz, viram conversas segredadas entre as estudantes, reclamações informais em almoços de trabalho, ganham tom de fofoca. As gestões, o sindicato, associação, enfim, nenhum dos que tem o poder de ter uma política consciente e consequente para combater o assédio o faz.

Na prática, o que vemos é um louvável esforço voluntário de servidores e estudantes que pontualmente em alguns campi trabalham na discussão do tema do assédio. Institucionalmente, o IFPB não investe em recursos financeiros nem em treinamento de equipes para uma atuação eficaz de uma rede de combate ao assédio. E o resultado disso é o atual caso de Itabaiana. Se as matérias e os materiais que tivemos acesso estão certos e essas denúncias remontam a 2019, como é que só agora viraram uma questão institucional? Três anos se passaram para tratar de um tema que é urgente, isso significa dizer que nosso Instituto falhou miseravelmente em acolher nossas estudantes e em protegê-las.

Diante de tudo isso, acreditamos ser necessário e urgente como comunidade realizarmos uma profunda reflexão que resulte numa mudança de cultura dentro da nossa Instituição. Que o IFPB seja um espaço seguro para as mulheres, no qual não exista constrangimento à denúncia, mas sim à prática do assédio. Precisamos construir ferramentas concretas de combate ao assédio dentro da nossa instituição e isso passa por educar nossa comunidade sobre, mas também por ter instrumentos oficiais que possam ser acionados com facilidade e eficácia por vítimas de assédio e, por último, pela punição de assediadores. Mais ainda: que nossos/nossas estudantes não se sintam desamparados ou deslegitimados em suas queixas, que possam se sentir seguros e seguras para falar.

Enfim, o debate é longo, complexo, não temos a pretensão de encerrá-lo em um pequeno texto, mas o incômodo que vivenciamos nos últimos dias como mulheres e como servidoras dessa instituição, tornou para nós uma necessidade fazer uso da palavra dessa forma já que, infelizmente, o espaço para esse debate não foi criado ainda no nosso Instituto.

Saudações Feministas!

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